Naquele fim de semana o trabalho começou cedo. Os primeiros raios de sol já clareavam a cabeça dos meninos a baldear a terra que ia formar o reboco para as paredes da casa.
O trabalho parecia que iria render. Enquanto alguns meninos carregavam a terra retirada, outros ajudavam a preparar a massa que serviria para cobrir as paredes da nova casa.
Era preciso trabalhar em dupla: cada um cobria um lado da parede. Os dois pelotões de barro eram jogados na parede um contra o outro no mesmo momento e se fundia num só bloco tampando as frestas existentes entre as ripas. Cada dupla com seu ritmo uma em cada parede, começando de baixo e subindo em tacadas coreografadas pelos movimentos de uma dança de duas mãos ensaiadas pela necessidade de ser solidário e buscar no outro, somente a alegria de ajudar.
Já se ouvia lá num canto alguém a ensaiar uma moda qualquer:
“Levantei de madrugada,
Na minha besta bainha,
Fui numa festa de reis,
na fazenda lagoinha .
Pertinho de Porto Alegre
Eu cheguei lá de tardinha
Fazendeiro Zé valente
Família da gente minha...”
“É isso aí!” Falou alguém lá no barreiro.
“Eta, mundo véio sem porteira”. – Gritou o Paulo que trabalhava em uma das paredes. E emendou junto:
“Sortei a mula no pasto
Dispois de dar um repasso
Dei uma vorta na sala
Sortei meus peito de aço
Vi uma morena trigueira
Fiz os verso no embaraço.
Quando eu repiquei a viola
Ela caiu nos meu braço ...”
E as modas contagiaram também o pessoal que estavam trabalhando no barreiro e o ambiente ficou alegre e suave.
O trabalho rendia. A terra vermelha amontoada era misturada e molhada com baldes de água salobra tiradas do poço. Com os pés descalços, os meninos pisavam sobre o barro e aos poucos formavam uma massa liguenta que custava descolar dos calcanhares. Para os meninos e meninas tudo era uma grande festa.
“Tráis o barro gente! Aqui têm trabaiadô. Parece que aí só tem cantoria!”, reclamara o Aparecido por ter acabado o barro de sua caçamba.
As lata de barro foram chegando mais depressa e o trabalho seguiu seu rumo.
“Õ cumpade o meu estamo tá fazendo um baruio um poco estranho. Parece que ele tá adivinhando a hora. Já passa das nove e ninguém aparece com esse armoço” – O Paulo já reclamava de fome.
“Pode deixá essa cunversa de lado, cumpade, que daqui eu já tô vendo a comade Maria c’os cardeirão. Vem chegando mais a Ronda e os menino, cada um cum imborná. Vai ser um banquete! Pode falá aí pro teu estamo que ele vai se fartá de tanto cumê”. – O Aparecido trabalhava numa parede externa e conseguia ver a Maria e a Irondina chegando com as vazilhas cheias, trazendo o tão aguardado almoço.
“Ê pessoal!! Vamo tratá de lavá as mão que o armoço já tá no toco”. – gritou.
Foi uma movimentação geral. Os primeiro a chegar foram os menino. Pareciam desesperado para se servir do almoço que trazia um tão cheiro gostoso que as lombriga se remexiam por dentro das barrigas. De um lado a macarronada feita com molho de tomate natural e carne moída, trazida especialmente da vila, e de outro aquele arroz soltinho amarelado pelo pó do orocum (colorau) acompanhado de feijão e frango ao molho. Os caldeirões de alumínio que não ajustavam mais as tampas, de tanto que eram os amassados que continham, foram colocado um ao lado do outro em cima banco de prancha de madeira que o próprio Aparecido havia construído.
“Peraí, primeiro os mais véio”. – gritou o Zé Batista , vizinho do sítio, quebrando o silêncio.
“Eu só quero cumê o coranchim do frango. O resto pode ficá pro cêis”. – sugeriu o Paulo com seu jeito brincalhão.
“Fica tranqüilo Cumpade Paulo, nóis fizemo dois frango, vai sobrá curanchim. O Parecido gosta mais é do jogo, esse pedaço ele disputa com os minino lá em casa”.- comentou a Irondina, chamada pelos cunhados de "Cumade Ronda".
“Mais hoje eu num faço questão de nenhum pedaço. Vocêis pode cumê quarqué parte do frango, se sobrá os pé pra mim já tá muito bão. O trabaio rendeu muito e eu tô muito agradecido a todos vocêis. Vamo armoçá todo mundo com a graça de Deus”. – finalizou o Aparecido.
E os menino tomaram a frente da fila com os prato de esmaltado de "ferro agate" (ferro ágata) estendidos. As mãos hábeis das cozinheiras dividiam os pedaços de frango para que os mais velhos ficassem com as melhores partes, o que era parte da boa educação das crianças daquela família.
Depois de servido, cada um seguia por um lado, procurando uma sombra ou um canto para se sentar Só não tinha cadeiras, bancos era só escolher: o cabo do enxadão sempre servia prá alguém. O outro preferia o baldrame da porta ou o barranco do terreiro. À vontade...
Depois de matar a fome, todos tinham direito a cinco minutos pra cochilar um pouco por ali. As crianças aproveitavam para reinar pelos arredores a procurar um bicho ou alguma coisa para mexer.
Depois de entregar o prato satisfeito, o Aparecido ficou por ali a olhar de cômodo em cômodo a imaginar que talvez nem precisasse do domingo para terminar aquela tarefa. Se avançasse um pouco na tarde terminaria com folga.
“Ronda, pede prá cumade fazê um bolo prá nóis cumê na merenda. Vamo reforçá o pessoal que acho que nóis vamo terminá a terefa ainda hoje”- Era de costume ter três refeições por dia: às nove horas era servido o almoço, à uma hora da tarde era servido a merenda (café) e depois o jantar que era servido mais ou menos as cinco ou seis horas. Algumas pessoas serviam na merenda uma repetição do almoço, isto é, comiam da sobra do caldeirão ou da marmita.
“Pode deixá. Nóis vamo fazê bolo de milho. Os minino gosta. Nóis já catemo dois saco de espiga de milho. Da quase prá fazê pamonha. As espiga tão todas muito graúdas que só vendo” – concordou Irondina
E foi-se embora os caldeirões vazios a balançarem nas mãos de quem os trouxe. Os guardanapos feitos de pano de saco de farinha de trigo ou de açúcar, que serviram de proteção ou alça para os pratos, jaziam pousados nos ombros das cozinheiras a esvoaçarem com o vento que refrescava um pouco do calor do sol que já se fazia alto naquela manha de sábado.
“V’ambora pessoal. Quem vai trazer barro prá mim”.- o Aparecido já se colocava a postos prá começar de novo no serviço.
E cada um foi se movimentando em busca do seu posto de trabalho. Começando meio de devagar e entrando novamente no ritmo gostoso e alegre daquele convívio de amizade e cooperação.
O trabalho terminou cedo. Aparecido lavou as mãos, agradeceu a cada um que ajudara no mutirão, se afastou um pouco onde pudesse ter uma visão ampla da casa e gritou alegre:
“Quem disse que nóis num semo engenhero. Óia só que beleza! Nóis semo engenheiro sim. ENGENHEIROS DE PAU A PIQUE!”
UMA PORTA PARA A AVENTURA
Uma infancia cheia de sonhos e um sonho de infancia cheio de aventuras.
quarta-feira, 27 de maio de 2009
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Desde o dia 01 de setembro de 2007 estou publicando minhas Memórias. Faz parte de um projeto de livro que deverá ser lançado no dia 18 de janeiro 2010 no espaço da ESCALIBUR no Distrito de Sousas em Campinas.
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Paulo Freitas
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