UMA PORTA PARA A AVENTURA

Uma infancia cheia de sonhos e um sonho de infancia cheio de aventuras.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

A CASA

A Casa

O sonho do Aparecido de possuir a terra, não o proibia de ter também o sonho de construir a sua própria casa. Os irmãos Paulo e a Laura já tinham construído as suas e estavam dispostos a participar do mutirão, para ajudar o Aparecido a erguer, no pedaço de terra que lhe cabia, a tão sonhada construção.
Não precisava ser uma casa grande, bastava ter o quarto das crianças, o quarto do casal, uma cozinha com dispensa e uma sala para receber o os móveis como oguarda-louça, o grande rádio de válvulas; e receber as visitas que eram sempre muito bem vindas naquela famíla cabocla, de origem indígena com algumas raiízes portuguesas.
O desenho já estava na cabeça. O banheiro não fazia parte do projeto, o que se chamavam de “privada” era para os sertanejos um luxo, pois quando precisava o pessoal usava as moitas mesmo, que estava ali perto e não custava nada. Naquele tempo o dinheiro era sempre muito difícil. Tinha-se muita fartura de comida mas dinheiro mesmo só nas vendas das colheitas e nem sempre o tempo ajudava. Muitas vezes se perdia quase tudo por causa de uma chuva que fazia nascer ainda na vagem, feijão que estava pronto para colher, ou o sol que prejudicava a germinação das sementes quer fora colocada na terra.
Todo o projeto da casa deveria ser feito com materiais tirados da própria terra e os tijolos eram muito caros e só servia mesmo pra fazer casa de gente rica, sitiante ou gente da cidade. A casa do Aparecido , como as duas outras já feitas no sítio, seria feita de madeira tirada da mata e ripa de coqueiro: o folclórico pau-a-pique.
As peças para os esteios da casa deveria ser madeira de lei: arueira, jatobá ou outra madeira de cerne.
Muitos dias se passaram e a soma do trabalho em mutirão fez multiplicar as ações e logo as paredessugiram e começaram a tomar forma de casa.
As casas de pau-a-pique eram construídas em estruturas de madeiras roliças, fechadas com paredes de ripas de coqueiros, pequenas varas de paus roliços ou taquaras e rebocadas com massa de barro ou saibro misturados, algumas vezes, com casca de arroz. A cobertura sem forração é feita com troncos roliços distribuídos em treliças num verdadeiro trabalho de engenharia. E no ripamento para as telhas são usadas também as pranchas de coqueiro do tipo guairova. O piso é feito com barro vermelho ou de saibro, nivelados pelos baldrames da estrutura da base. As escadas de acesso aos níveis mais altos eram construídas com pequenos troncos lascados em pranchas colocadas lado a lado.
Já estava quase pronto. Só faltava cobrir com telhas e rebocar com barro ( barrear). O mutirão trabalhava firme: o Paulo, o João, a Laura e os meninos.
“Joga a teia cumpade Paulo. Vamo vê se nóis cobre tudo hoje e fais o arremate do emborço – gritou Aparecido de cima da casa.
“Trais as teias cumpade João. Vamo meninada, vamo depressa”. Gritava o Paulo para colocar os meninos e o João, Marido da Laura, em serviço para colocar as telhas mais próximo para serem atiradas para o Aparecido no madeiramento da casa.
Os meninos correram para o monte de telhas que fora colocado do outro lado e raidamente as telhas foram amontoadas ao pé do tio que com um toque mágico ia jogando uma a uma para cima.
Eram do tipo paulista confeccionada com um barro queimado branco-acinzentado que ao ser colocadas sobre as ripas formavam um desenho de sombra que ia se alastrando por todos os cômodos da casa.
“Ta ficano bonito cumpade. Logo vai podê si mudá se quisé”. – elogiou o irmão.
“Eu num tô com muita pressa não cumpade. Eu ainda tenho que acertá arguma coisa lá com o Seu Zaíco. Mais eu tava cum vontade de vim barreá a casa nesse fim- de-semana. O que senhor acha? – Perguntou com ao irmão erguendo as sobrancelhas como se querendo mais uma opinião do que uma concordância.”
“Eu acho bão, compade. A gente convida todo mundo prá vim ajudá e fáis um armoço gostoso. O pessoar dos Vilela são muito bão e e capais que vem cum certeza.”
“Num pricisa de muita gente não compade. Basta o nosso povo e os mininos que nóis fais bastante serviço num dia. Nóis vem no sábado e termina no domingo. Barro nós tem de sobra nos barranco do terreiro. É até bão que aumenta um pouco esse lado de cá”. – Falou mostrando uma parte da frente da casa que haveria de ser o terreiro de secar os grãos ( café, arroz e feijáo).
Tá bão, respondeu o irmão. O sinhor me permite intão só chamá só o Zé Batista. Ele tem me perguntado todo dia quando é que nóis vai chamá eles prá ajudá em arguma coisa”.
Pode ser. Desse povo eu gosto. Têm uns mininos direito bastante educado. Pode chamá.”
Enquanto conversava os serviço não parava e as telhas se acomodaram todas e o telhado se fazia quase perfeito.
Já bem a tardinha, o cansaço era visto nos rostos de todos. “ Daqui a pouco já fica pronto. Aí é só respardá a cumunheira e já pode colocá os trem prá dentro.” Brincava o Aparecido colocando as últimas telhas.
E foi logo. João preparou a massa de barro, os meninos carregaram e de repente e as cumunheiras ficaram prontas.
O cansaço compensou o resultado do trabalho em família. Sentados tomando o cafezinho fresco coado na casa da Comadre Maria e trazido numa chaleira de alumínio escurecida pelo pretume do fogo do fogão a lenha, os irmãos contavam histórias e faziam planos para os próximos dias.
O Aparecido teria que desbravar uma mata fechada e destoca-la para a plantação de mudas de café, compromisso do contrato de trabalho com um fazendeiro para garantir o trabalho e o sustento da família.
“No mês que vem eu já vou começá a mexê no mato.” ( Aparecido falava olhando no infinito como se tivesse sentindo o trabalho pesado do corte no machado). “Temos que ir com muita corage porque o trabaio é brabo. Tem angico que dá prá dois home abraçá. E tem que ser no machado mesmo, num tem otro jeito.”
“Eu vô dá uns serviço pro senhor por argum dia, se o senhor quisé.” - Diz o irmão com espírito solidário. – “Minhas roça tão toda limpa. Dispois nóis troca serviço. Eu acho que compade João tamem pode ajudá um poco. Não é cumpade?
“É sim, pois intão. Nóis ajuda sim”. – Falou João , com a sua pequena estaura, concordando também com a cabeça.
João era o marido da Laura que ajudava no trabalho porem não participava muito do assunto quando os dois irmão conversava. Ele se contentava em ouvir enquanto brincava com a caneca de esmalte que acabara de tomar café.
O sol se pôs e a tarefa do dia estava entregue. Aparecido ainda tinha uma viagem e tanto para voltar prá casa e o frio das noites de julho era medonho...
“Nóis já vai, compade, tamo todos muito cansado. Os menino trabaiaro muito.As ferramenta pode ficá aí com o sinhor. O sinhor guarda prá nóis. Eu vô levá só as otras traias.”
“Rube, péga o cavalo, vamo arriá a carroça prá nós ir embora. Vamo aproveitá um pouco da claridade que tem prá chegá na estrada de Turmalina. Depois só vai ser o clarão da lua mesmo.”
O cavalo foi colocado a postos embaixo da carroça de rodas de pau, que estavam com os braços inclinados com a arreata e foi só apertar as barrigeuras e colocar as rédeas e pronto. Estavam preparados.
“Até outro dia se Deus quizer. Qué dizê, até sábado, né?”
A Laura puxou a porta da sala da casa que ainda estava aberta e amarrou com um pedaço de arame. A porta ainda não tinha tranca . Era feita de tábua de cedro colocadas na vertical e com dobradiças fixadas direto nos batentes roliços. A tranca de dentro era uma tramela lavrada com facão e por fora não tinha outro jeito senão amarrar com arame amarradoi por um buraco feito para este fim.
“Deixa assim memo cumade, dispois eu vô arranjá uma fechadura daquelas de ferro prá colocá nessa porta , aí agente pode saí mais sussegado e evita que argum bicho entra prá fazer disorde.” – O Aparecido tranquilizando a Laura que estava preocuada com o fechamento da casa.
Naquele tempo não existia a preocupação com ladrões, nem baderneiros. Os baderneiros podia ser um bicho do mato qualquer que invadiam as casas em busca de comida fácil.
“Meninos, fala bença pros tio , munta logo no carrinho e vam’imbora.” – Mostrava o Aparecido a boa educação aos meninos.
“Bença tio. Bença tia”
“Bença padrinho. Bença madrinha.”
“Deus abençõe ocêis tudo. Vão com a graça de Deus.”
Os meninos se aninharam na parte trazeira da carroça de rodas de pau que era puxado pelo cavalo “Piano” que tantos serviços prestava àquela família.

Os acenos de boa viagem foi respondido até a carroça alcançar o topo da estrada. Dali prá frente era uma viagem silenciosa pois sol já tinha se escondido e a escuridão veio junto com o cansaço dos meninos que se transformara em sono. Nem os solavancos da carroça sem amortecedor mechia com o sono dos pequenos.
Nos pensamentos, aquele homem jovem de apenas trinta e um anos, já sonhava com uma vida melhor para os seus filhos: “Eles vão tê que estudá mais que eu. Eu vô lutá prá isso”. E completava. “Agora nóis já tem uma casa no que é nosso. Só falta trabaiá bastante. Vamo prantá verdura naquele “brejo” e os menino já pode cuidá das roça (...) Um dia nóis vamo morá na cidade.”
Uma porteira o tirou dos seus pensamentos:
“Rube, acorda, levanta daí detrais e vem abri as porteira,”. O menino desceu, abriu a porteira, deixou passar e veio sentar orgulhoso junto com o pai no banco da frente da carroça. Ajeitou o pelego que cobria o banco e se arranjou segurando nas travessas laterais.
“Nóis vamo mudá logo pra cá, papai, perguntou o menino curioso.
“Eu acho que sim. È só acertá as coisa lá com o seu Zaíco e podemos mudá. Fica melhor pra gente mexê no destocamento das roça”.
“Eu gostei da nossa casa nova, papai. Ficou bunita. Só a água que é meio sargada, mais a Laura tisse que tem uma mina que dá água fresquinha lá embaixo depois do corgo”.
“É...parece que tem sim. Tem muita coisa que fazê ainda dispois que a gente mudá...”. E a carroça seguiu seu caminho vagaroso, levando na escuridão um homem que buscava o futuro acreditando que a lua logo viria com seus raios prateados para iluminar a estrada que levava junto da sua companheira.

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Paulo Freitas