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quarta-feira, 27 de maio de 2009

LAÇOS DE FAMILIA

Eram quatro alqueires de terra divididos em quatro partes iguais. Eram também quatro irmãos. Três dos quatro irmãos ficou com uma parte cada um. Uma das partes ficara com o pai. Uma das irmãs não participara da divisão, isto porque não era herança e sim fruto da economia de muitos anos de trabalho. A busca pela realização do sonho de ter a sua própria terra viera da união de pensamento dos irmãos que sempre viveram da terra alheia a prestar serviços na lavoura de café, de algodão e outras culturas. Também fora uma maneira dos “meninos”, como eram chamados os irmãos, de unir novamente a família, que sofrera a terrível perda da matriarca, mãe, quando ainda eram muito jovens.
O alqueire do pai ficara com o irmão mais velho que o adotou depois que todos os filhos e filhas se casaram. Ele bem que mereceu este presente, pois sempre foi fiel à sua saudosa esposa, cuidando sozinho do crescimento dos filhos.

O Sr. José, patriarca da família, não completara sessenta anos, mas já mostrava em sua face as marcas do trabalho no sol, no seu ofício de carreiro de que tanto se orgulhava. Naquele tempo já existiam as carroças, os caminhões e tratores, mas o som dos carros-de-boi ainda zunia como música nos ouvidos daquele homem, cuja vida se dedicou ao trabalho duro e solitário para criar os filhos, que quando ficou viúvo, o mais novo estava com quatro anos apenas. De todos os anos que trabalhara quase nada havia acumulado: apenas um cavalo de sela e uma boa traia. As roupas eram simples como simples era a sua maneira de ser.
Com o seu olhar cabisbaixo, retraído, pouco se falava. Pouco também se sabia da vida dele. Parecia carregar uma dor de um amor perdido, ou de uma vida sem sentido. Contavam-se muitas histórias de que o Sr. José muitas vezes tenha tentado se matar por causa da solidão e da companheira perdida. Mas venceu a batalha junto com os dois filhos homens que sempre deu suporte à sua auto-estima e à sua solidão. Os vizinhos e amigos o tratavam como Seu José Carvalho, os netos de Vovô Carvalho e um outro de pai-, fruto da sua convivência permanente com a criação dos netos.
Pelo sobrenome, a árvore genealógica mostra uma raiz portuguesa nas origens do Sr. José Carvalho, mas a sua esposa, Maria Abadia, era com certeza descendente de indígenas brasileiros. Nenhuma fotografia ou pintura teria para retratar, mas os traços do rosto, os poucos pelos no corpo e os cabelos lisos dos filhos, não deixavam dúvidas sobre a descendência de brasileiros autênticos.
A família dos meninos, era composta por quatro filhos: dois homens (os mais velhos) e duas mulheres. Naquele tempo somente a mais nova não estava no negócio do sítio. Ela havia se casado com homem viúvo que já tinha dois filhos de outro casamento e moravam numa fazenda do outro lado da comarca. Por mais que a convidasse para vir morar mais perto, para desfrutar da união das famílias, ela não aceitava e continuava a viver numa situação de miséria extrema num ranchinho perto de um pequeno ribeirão, rodeado pelas roças de milho e mandioca em caminhos ladeados por carrapicho e picão. Essa era a maior tristeza dos irmãos. (...)

Dos irmãos, Paulo era o mais velho e carregava a responsabilidade de cuidar do pai e ganhara o respeito dos outros na hora de decidir sobre os caminhos a tomar. Paulo estava no seu segundo casamento, pois ficara viúvo muito cedo. Aparecida, com a qual vivera alguns anos , morreu deixando um filho que agora era criado com muito carinho. Era um homem simples, mas de uma inteligência exemplar. Suas ideias e criatividade eram sempre vista nas suas coisas e suas palavras. Tinha o hábito da leitura e sabia contar histórias como ninguém. Gostava de fazer negócios de trocas e permutas. Este hábito lhe fazia mudar com frequência de objetos e animais. Tinha sempre em sua casa uma bicicleta diferente, uma carroça nova ou um rádio quebrado que pegou na troca de um cavalo com uma charrete de pneus. Tinha um gosto especial pela música. Na sua juventude, juntamente com o seu irmão mais moço e o seu tio Marcílio, tocavam viola em bailes e festas na região de Votuporanga e Rio Preto.

Aparecido era mais moço e buscava sempre a união da família. Era dele a ideia de comprar o sítio juntos para estarem sempre perto um do outro. A seriedade nos negócios e nas atitudes era a sua marca registrada. A energia no tratamento com os filhos o fazia um homem de poucos sorrisos, mas de muita honestidade. Suas relações com as pessoas eram solidárias e de boa fé. Suas ações eram planejadas e a sua família era o que de mais precioso se tinha. Seu rosto fino e o cabelo liso e fino trazia os traços de sua descendência cabocla. (Sua avó teria sido índia ou bugre de origem nativa). Um homem de muitos dons. Sua intimidade no trabalho da madeira resultava sempre em uma peça a mais na sala ou no quintal.
Cido se casara cedo, e a escolha foi dentro da própria familia, pois a sua companheira também era sua prima legítima. Na época da compra do sítio, os seis filhos que Deus lhe dera já eram nascidos, sendo que o mais novo, o Paulinho, já completava os seus quatro anos.

As duas irmãs , Laura e Narcina se rendia aos seus maridos e viviam em busca de uma boa relação com os irmãos o que nem sempre eram compreendidos por todos.
A Laura era uma mulher de fibra, seu rosto magro e queimado pelo sol mostrava no seu semblante o resultado do trabalho pesado da enxada e das colheitas de algodão. O cigarro era seu melhor companheiro. Transferia toda a sua amargura em pitadas longas e profundas naqueles bastonetes de tabaco picado, enrolados em palha de milho. Laura buscava nos irmãos a segurança que não possuía no casamento. Casara com o João, um homem de pequena estatura que buscava em seu trabalho, o balanço da falta de formação escolar que não tinha.

Descendentes de família católica, era comum entre os irmãos dar os filhos uns aos outros para serem batizados e assim se tornavam “compadres” e “comadres” e eram como se tratavam com muito respeito.
Quando comprou o sítio, o Aparecido mandou fazer uma grande placa, com o patrocínio das “Casas Pernambucanas”, e colocou na entrada do sítio, na estrada que ligava Docinópolis a Populina, com os seguintes dizeres: “ENTRADA – SITIO DOS MENINOS”. E assim ficou como referencia para todos que passavam. E lá ganharam o respeito e amizade de todos os vizinhos.

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Desde o dia 01 de setembro de 2007 estou publicando minhas Memórias. Faz parte de um projeto de livro que deverá ser lançado no dia 18 de janeiro 2010 no espaço da ESCALIBUR no Distrito de Sousas em Campinas.

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Paulo Freitas