UMA PORTA PARA A AVENTURA

Uma infancia cheia de sonhos e um sonho de infancia cheio de aventuras.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A PANHA DO ALGODÃO

Era de madrugada, o quarto ainda estava escuro quando a luz de uma lamparina entrou no quarto dos meninos e caminhou até a cama do Paulinho.
Era Dona Erondina, que se aproximou da cama em que o menino dormia e falou ao seu ouvido:
- Acorda Paulim, as menina já levantaro. Cê num vai panhá argudão com as menina tamém?
- É lá na roça do Seu Zé Carlo? – perguntou com voz sonolenta. - Se for lá eu vô.
- Intão pode levantá e lavá a cara. Eu vô prepara um carderão de cumida procê. As minina já tão quase pronta.
A “panha” do algodão era feita pelos meninos aos domingos ou feriados, que eram os dias de descanso na roça, e o dinheiro ganho neste trabalho ficava para suas compras especiais. O Paulinho queria ir trabalhar naquele domingo para guardar o dinheiro para comprar o presente para o dia das mães no bazar do Elias. Era um gatinho de louça muito bonito que há tempo era observado.
Paulinho colocou sua única calça de brim mescla, uma camisa de manga comprida e um chapéu de abas largas, um caldeirão de comida para o almoço que a mãe havia preparado e lá se foi em busca da roça de algodão.
A roça do Seu Zé Carlos não ficava longe do sítio. Vinte minutos de caminhada eram suficientes para chegar até o rancho onde ficava a balançam e os fardos.
A roça de algodão estava muito bonita, cada planta ostentava pelo menos vinte maçs abertas, o que consistia numa boa produtividade para as terras da região. O branco das maçãs abertas, parecia um lencol de plumas que deitava sobre a terra verde rodeada de pastos e plantações de milho. A roça não era grande, era proporcional ao tamanho do sítio, que diversificava entre a criação de gado leiteiro e as culturas de café, milho, arroz, feijão e algodão. Os pés de algodão não eram altos, e serviam certinho para o trabalho do Paulinho, que em algumas ocasiões até sumia no meio das ruas das plantações, por causa da sua pequena estatura.
Um pequeno balaio, feito com taquara ou bambú, e as mãos eram as ferramentas de trabalho. As mãos tinham que ser rápidas para conseguir ganhar o dia com sucesso. A cada balaio cheio o caminho até o rancho para ser despejado num fardo e, assim, no final do dia tudo era pesado e pago ao catador. A unidade de medida usada para os cálculos era a arroba, isto é, quinze quilos. Um menino como o Paulinho conseguia apanhar no máximo três arrobas de algodão por dia, quando trabalhado com seriamente.
Algumas ervas daninhas atrapalhavam o movimento por entre as plantas. Tinha um tal de carrapicho que se prendia nas roupas e chegava até a machucar a pele, quando o tecido era mais fino como era o da camisa, por exemplo. E nos momentos de descanso, os catadores ficavam a retirá-los com paciência. Na roça do Seu Zé Carlos também tinha bastante picão, uma planta que tinha como semente feixes de esporos pretos que se prendiam em blocos nas roupa e que dava trabalho para tirar.
Paulinho não tinha um fardo só para ele. A sua produção estava sendo colocada junto com o fardo da Zilda. No final, seria calculado o seu trabalho e o dinheiro seria dividido.
Já eram mais ou menos nove horas da manhã, hora do almoço, e todos se juntaram na sombra de uma mangueira no carreador da roça. Cada um no seu canto, todos almoçavam em silêncio. No caldeirão do Paulinho havia arroz com feijão, um pedaço de carne de porco e um ovo frito. Ainda estava meio morno e a fome transformava aquele prato no cardápio mais saboroso do mundo. Todos, inclusive o Paulinho, tinham uma preocupação de não comer toda a comida, pois na hora da merenda tinha que ter uma sobra para completar o desjejum. Para ele não havia problema, ele havia reservado uma pequena melancia que enontrara no meio da roça de algodão. As melancias nasciam entre as plantas naturalmente com a ação dos animais silvestres que comiam as frutas e espalhavam as sementes pelo terreno.
O menino terminou o almoço mais cedo que os outros e foi caminhar um pouco pelos arredores. Olhando sempre para baixo, a procura de algo interessante para brincar, observava os gafanhotos, louva-a-deus, as aranhas e as formigas que habitavam por entre as folhas das plantas. Do outro lado da cerca da roça, era um pasto onde ficava o gado leiteiro do Sr. Carlos. Muitos pés de coqueiros do tipo macaúva e Guairova se erguiam em toda a extensão do pasto, parecendo que foram plantadas de uma forma regular e bem distribuidas. Uma macaúva chamava a atenção do menino pela cor dos frutos que trazia em seus cachos.
- Deve de tá maduro. - pensaou o menino. - Vou lá vê.
E foi. Atravessou a cerca de arame farpado, caminhou por alguns metros adiante e já estava junto ao coqueiro. Depois de alguma procura, já encontrara pelo menos dois frutos no chão. Mordeu um deles e sentiu o cheiro gostoso do coco maduro. Atirou algumas pedras nos cachos fazendo cair mais alguns frutos, encheu os bolsos e se foi.
- Vô levá prá Zilda. - pensou falando baixinho. - Ela vai gostá.
A Zilda gostou tanto que decidiu, recolher mais alguns cocos depois do dia de trabalho. Normalmente os coqueiros que produziam os côcos mais doces e cheirosos eram marcados pelas crianças, pois nem todos possuíam tais qualidades.
No final do dia, o cansaço não poupava ninguém. Agora era ver o resultado do trabalho. O Seu Zé Carlos começava pesando os fardos mais cheios. A balança consistia em, de um lado, uma barra de ferro com escala de um quilo, num total de cento e cinquenta ( dez arrobas), onde deslizava um anel metálico que marcava o peso e, do outro, um contra-peso que fazia o equilibrio . Um gancho superior servia para pendurar e um inferior servia para enganchar os fardos de algodão.
A expectativa terminou quando o pesador disse:
- Centi quarenta quilo no totar. Nove arroba e e pôco. Vô pagá pro ceis nove arrôba e meia. Foi uma surpresa, não era um bom resultado considerando o trabalho dos dois, e o esforço ter sido grande.
- O argudão tá muito manero. - Explicou o Sr. José Carlos. - Só dá inchimento. Cê vê, dois fardo desse tamãe e só pesá isso. - completou.
Tudo certo. Com o pagamento já no bolso, os catadores de algodão voltaram para casa alegres e contentes, não esquecendo de passar no pé de macaúva para apanhar mais côcos.
Pelo caminho resolveram continuar por dentro do pasto para visitar o “pé de genipapo”, dono de umas frutas muito saborosas. Eles conheciam o endereço por ser no caminho da escola. Deram sorte, já começavam a amadurecer alguns frutos e a colheita rendeu pelo menos cinco e mais algumas que levaram para casa como troféu.
Já era quase noite quando chegaram em casa, e foram direto para o banho. O Paulinho foi primeiro , depois os outros. As meninas ainda foram “puxar” água no poço para colocar no fogo para esquentar. Naquele tempo o Aparecido já havia comprado um chuveiro de folha, que substituiu o “banho de bacia”.
O chuveiro consistia em um balde de vinte litros confeccionado em folha de lata, com uma saída de água por baixo, com um sistema de registro manual de alavanca que controlava a saída da água, e uma espécie de funil invertido com a base furada, por onde a água saia em ducha. A água era preparada num balde, com a mistura de água fria com água quente vinda do fogão, com a qual era abastecido o “chuveiro” por cima . O equipamento era levantado através de cordas e carretilhas à uma altura de mais ou menos dois metros, altura suficiente para os adultos ficarem por baixo para tomar a ducha d’água.
Depois do banho, a roupa limpa, um bom jantar preparado com carinho pela Dona Erondina , e ainda sobrou energia para correr no terreiro atrás dos vagalumes, até que a mãe chamou:
- Zilda, vem prá dentro e chama os minino prá lavá os pé prá dormi. Amanhã têm que pulá cedo prá ir prá escola.
A ordem foi cumprida e o cansaço superou as energias.
- Bença, papai. Bença, mamãe.
- Deus abençoe.
E o silêncio reinou naquela casa até o dia seguinte.

Um comentário:

Anônimo disse...

SOU O DIONIZIO "ZÓCO "
DE DOLCINOPOLES, VC SE LEMBRA?
TO MORANDO EM MT TENHO FOTOS DE ANTIGAS DE VC E DE FAMILIARES.
MEU ORKUT É DIONIZIOBATISTA@HOTMAIL.COM
MSN DIONIZIOBATISTA2010@HOTMAIL.COM
MARTABRIGANTINE@GMAIL.COM

UM FORTE ABRAÇO AOS AMIGOS

Obrigado por visitar este espaço.
Desde o dia 01 de setembro de 2007 estou publicando minhas Memórias. Faz parte de um projeto de livro que deverá ser lançado no dia 18 de janeiro 2010 no espaço da ESCALIBUR no Distrito de Sousas em Campinas.

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Paulo Freitas